O Fim de Piper Alpha
O fim de Piper Alpha foi resultado de uma série de falhas sistêmicas que culminou na morte de 167 pessoas, perda de bilhões de dólares e destruição total da plataforma. O acidente ocorreu em 6 de julho de 1988 após uma série de explosões e incêndios.
Piper Alpha era uma plataforma situada no mar do Norte a aproximadamente 200 km a noroeste de Aberdeen, na Escócia. Localizada em águas de até 144 m de profundidade.
As lições aprendidas no acidente de Piper Alpha podem ser aplicadas para a exploração de hidrocarbonetos offshore, como também em outros setores industriais.
O acidente
Tudo começou com o vazamento de hidrocarbonetos leves na área de bombas. De acordo com as investigações, os trabalhadores realizaram uma manutenção na bomba na unidade de produção de gás. Eles removeram a válvula de alívio da linha de descarga da bomba, porém não completaram o serviço naquele turno. A informação da manutenção deste equipamento crítico não foi adequadamente comunicada para o turno seguinte.
Quando a bomba primária, que estava em funcionamento, saiu de operação, os trabalhadores acionaram a bomba reserva, porém desconheciam que a válvula de alívio dessa bomba estava em manutenção. Ao colocar a bomba reserva em serviço, quase que imediatamente, o condensado de gás natural foi liberado, produzindo uma nuvem de gás inflamável que ao encontrar uma fonte de ignição iniciou o desastre.
Sequência dos Eventos
Figura 1. Sequência dos eventos que culminaram na completa destruição da Plataforma Piper Alpha
Sequência de Falhas x Elementos do Sistema Gestão
A investigação identificou uma sequência de falhas relacionadas com projeto, cultura, resposta à emergência, formação e capacitação, dentre outras. Com o objetivo de proporcionar um processo de aprendizado abrangente e sistêmico, foram destacadas algumas dessas falhas e feita uma correlação com os 20 elementos do Sistema de Gestão baseado em Risco do CCPS (Center for Chemical Process Safety). Os elementos são agrupados em quatro pilares, a citar: Compromisso com a Segurança de Processo, Entendimento dos Riscos e Perigos, Gestão de Risco e Aprender com a Experiência:
Figura 2. Pilares e elementos do Sistema de Gestão baseada em Risco do CCPS (Center for Chemical Process Safety)
Causa Potencial: Sistema dilúvio não funcionou
Para segurança dos mergulhadores, o sistema de coleta de água era colocado em manual cada vez que havia trabalho com mergulho nas proximidades. Com o tempo, os procedimentos foram relaxados e o sistema passou a ser deixado em manual, independentemente de haver atividades de mergulho. No dia do acidente, o sistema de coleta de água estava no modo manual e não foi utilizado para o combate à emergência.
Elementos: 1,7,8,12 e 15
Causa Potencial: Comunicação deficiente das ordens de serviço e desvios no cumprimento de procedimentos
O evento que iniciou a catástrofe foi uma tentativa do turno da noite de operar a bomba reserva que estava parada, pois estava em manutenção. Os trabalhadores do turno da noite desconheciam o status da manutenção da válvula de alívio associada à bomba reserva. Numa instalação industrial, o conhecimento das ordens de serviço em andamento é crucial para o andamento e segurança de um processo produtivo.
Elementos: 1,8 e 9
Causa Potencial: Abastecimento contínuo de gás advindo de outras plataformas para Piper Alpha, mesmo após a observação da primeira explosão
A plataforma próxima, Tartan, continuou a bombear gás ao núcleo do fogo até que a tubulação interligando as plataformas se rompeu devido ao calor. Os operadores de Tartan não tinham autoridade para parar a produção, mesmo vendo ao horizonte que Piper Alpha estava em chamas.
Elementos: 1,3,6 e8
Causa Potencial: Rota de Fuga
As rotas de fuga não eram perfeitamente conhecidas e as pessoas, não encontrando o caminho até os barcos salva-vidas, saltaram no mar.
Elementos: 1 e 16
Causa Potencial: Áreas seguras
Os alojamentos não eram à prova de fumaça e chamas. A maior parte das 167 vítimas morreu sufocada na área dos alojamentos.
Elementos: 1,2,6 e 7
Causa Potencial: Treinamento
Embora houvesse um plano de abandono, três anos haviam se passado sem que as pessoas recebessem treinamentos nestes procedimentos. Planos de Ação de Emergência se tornam ineficientes se existem apenas no papel e as pessoas não tomam conhecimento dele.
Elementos: 1, 16 e 18
Causa Potencial: Paredes corta-fogo
As paredes corta-fogo da plataforma Piper Alpha não haviam sido projetadas para resistir à explosão. Elas foram construídas para conter um fogo comum. No momento do acidente, a explosão inicial as derrubou e o fogo subsequente se espalhou. Estações mais novas têm paredes à prova de explosão que evitariam uma repetição das fases iniciais do desastre.
Elementos: 1, 7, 10, 16 e 19
Sequência de Falhas x Indicadores de Segurança de Processo
De modo geral, essas falhas estão relacionadas aos históricos de pequenos incidentes, que não estavam sendo tratados adequadamente. Ao fazer uma análise dessas causas/falhas com a Pirâmide de Indicadores de Segurança de Processo, observa-se uma relação com a base da pirâmide (ações proativas). No geral, essas falhas estão associadas a falhas das barreiras de segurança; falhas de rotina de manutenção e inspeção; e falhas de projeto, que não eram reportadas e/ou tratadas de maneira adequada.
Figura 3. Pirâmide de Indicadores de Segurança de Processo
Falha no Aprendizado Organizacional
Uma cultura organizacional que desencoraja a divulgação, comunicação interna e tratamento de pequenos desvios, pode estar mascarando as fragilidades da unidade operacional. Nesse tipo de ambiente, o fato de incidentes não aparecerem, pode ser uma prova de que o sistema não funciona e induz as pessoas a ignorarem as vulnerabilidades. Consequentemente, incidentes pequenos e isolados são raramente discutidos abertamente. Portanto, esses problemas são suscetíveis à repetição.
A catátrofe de Piper Alpha é um exemplo desta falha no aprendizado organizacional. Anterior ao desastre, um trabalhador morrera num acidente no módulo A da plataforma, devido a uma falha de comunicação do sistema de permissão de trabalho e um erro nas transferências de deslocamento. Mesmo com a ocorrência deste caso e de outros incidentes, a lição não foi aprendidade pela organização.
O processo de comunicação e governança dentro de uma empresa é fundamental e os indicadores de segurança de processo têm um papel estratégico. Através dos indicadores, os problemas operacionais podem chegar ao conhecimento dos gerentes e diretores executivos, que são os responsáveis por gerir os riscos empresariais e alocar recursos humanos e financeiros. Portanto, os indicadores são:
- Um dos meios eficaz de comunicação de segurança de processo;
- Uma forma de minimizar as consequências da cultura de reportar apenas o que está bom;
- Identificar proativamente onde estão as vulnerabilidades;
- Tornar a gestão de Segurança de Processo sistêmica e não pontual ou reativa.
Conclusão
- As razões para a ocorrência da sequência de eventos que culminaram na completa destruição da plataforma Piper Alpha e na morte de dezenas de pessoas estavam enraizadas na cultura, na estrutura, e nos procedimentos da organização;
- As principais tomadas de decisões na plataforma Piper Alpha e nas outras plataformas interligadas estavam focadas na priorização da produção em detrimento da segurança;
- A falha de manutenção que levou à perda de contenção primária foi o resultado da inexperiência dos trabalhadores, de procedimentos de manutenção pobres e de mecanismos de formação e capacitação deficientes.
Referências
[1] Paté‐Cornell, M. Elisabeth. “Learning from the piper alpha accident: A postmortem analysis of technical and organizational factors.” Risk Analysis13.2 (1993): 215-232. [2] Bull, David C., and P. RENWICK. “A critical review of post Piper-Alpha developments in explosion science for the offshore industry.” Major hazards offshore. Conference. 2000. [3] Culture, Building Process Safety. “Tools to Enhance Process Safety Performance.” New York, Center for Chemical Process Safety of the American Institute of Chemical Engineers (2005).Sobre o autor
Américo Diniz Carvalho Neto – Diretor Executivo da RSE Consultoria, Fellow do CCPS, Consultor Internacional em Segurança de Processo e Mestre em Confiabilidade Humana.