É muito comum ouvir falar de erro humano nos acidentes de processo das indústrias químicas. O Instituto Americano de Petróleo reconhece que os erros humanos têm contribuído direta ou indiretamente com muitos destes acidentes e ressalta a importância de reduzir os erros humanos para aumentar a segurança, produtividade e qualidade dos processos de fabricação, além de melhorar a confiabilidade em relação à proteção de vidas humanas1. Contudo, os gestores, como líderes da organização, deveriam evitar culpar ou punir um colaborador quando um acidente ocorre pois é preciso compreender que a maioria dos acidentes causada por falha humana decorrem de uma falha sistêmica na cultura organizacional.
Entender como a sua organização está com relação aos aspectos do comportamento humano é um dos primeiros passos para o amadurecimento da cultura em Segurança de Processo. Neste artigo propomos que as lideranças em SSMA e / ou Segurança de Processo apliquem o questionário apresentado e reflitam sobre cada questão e as etapas seguintes para a melhoria e aumento na confiabilidade humana e fortalecimento da cultura em segurança de processo.
Mas o que é Confiabilidade Humana?
Segundo Meister (1966) a confiabilidade humana é a probabilidade de que um trabalho ou tarefa seja completada com sucesso, por pessoas, em qualquer estágio do sistema operacional, dentro do tempo mínimo requerido (se o limite de tempo mínimo existir)2.
E o que é Erro Humano e como este interfere na Confiabilidade Humana?
Gertman e Blackman definem o erro como sendo: “ações ou ausência de ações, não desejadas, que surgem com problemas de sequenciamento, tempo, conhecimento, interfaces e/ou procedimentos, que resultam em desvios em relação a padrões esperados, ou modelos que colocam pessoas, equipamentos ou sistemas, em situação de risco”3.
Meister classificou os erros humanos em quatro grandes categorias, complementadas por A.D. Swain3 com um quinto modo de falha:
- Realização de uma ação de forma incorreta;
- Não realização da ação (omissão);
- Falha na sequência de realização;
- Realização de uma ação não requerida (comissionamento);
- Não realização da ação no tempo necessário.
Uma tarefa ou atividade na indústria raramente é realizada por uma única pessoa. Além disso, os padrões e conceitos de sustentabilidade são princípios valorizados pela RSE Consultoria e que são a base para a realização dos nossos projetos e serviços. Diante disso, propomos uma definição englobando essas observações. Confiabilidade Humana, segundo a RSE Consultoria:
A probabilidade que uma pessoa, ou equipe de pessoas, realize com sucesso a função requerida pelo sistema, no padrão previamente definido, quando demandada a fazê-la, atendendo aos requisitos de tempo ou sincronismo com outras atividades e aos critérios dos padrões de sustentabilidade: sociais, ambientais e econômicos.
Estatística Relevante
O erro humano é provavelmente o maior fator de contribuição para perdas de vidas humanas, lesões às pessoas e danos à propriedade em indústrias químicas e petroquímicas. O erro humano possui, também, um impacto significativo para qualidade, produção e, finalmente, lucratividade da organização.
De acordo com pesquisas, os erros humanos responderam por US$ 563 milhões de prejuízos em acidentes maiores na indústria química até 1984 4, 80% a 90% de todos os acidentes nas indústrias de processos químicos decorreram de erros humanos5. Além disso, erros humanos responderam por 58% dos incêndios em refinarias6.
Quase todos os grandes acidentes investigados nos últimos anos na indústria química e petroquímica, por exemplo, Texas City, Piper Alpha, Philips 66 Explosion, Feyzin, Mexico City, demostraram que o erro humano foi a causa mais significativa em projetos, operação manutenção e gerenciamento de processos1.
A maneira como o tema Erro Humano e Confiabilidade Humana é abordada e discutida dentro da organização, principalmente pelas lideranças, determina o desenvolvimento e melhoria da performance dos colaboradores. Segundo Berkson e Wetterten, parece ser, provavelmente, mais importante e produtivo questionar-se como aprender com as falhas humanas para que estas não voltem a ocorrer, ao invés de questionar-se continuamente quanto à incidência, ou proporção de acidentes, incidentes ou problemas ocasionados por estas1.
O American Institute of Chemical Engineers propôs analisar o erro humano segundo uma visão sistêmica. A figura 1 apresenta uma proposta de como implementar ações voltadas à minimização do erro humano na abordagem sistêmica. A essência da abordagem sistêmica é mostrar que existem outras causas associadas ao erro humano que não unicamente associadas ao indivíduo executante da atividade propriamente dita, remetendo a um tratamento diferenciado do que a visão tradicional levaria, que poderia associar ações voltadas à busca de culpados e formas de punição, como maneira de minimizar a ocorrência dos erros7.
Figura 1. Visão Geral da Abordagem Sistêmica do Erro Humano7
O primeiro componente da abordagem sistêmica é a busca da otimização de performance através do projeto. O segundo está associado a análise da probabilidade e consequência do erro humano. O terceiro relaciona-se com a prevenção do erro através de auditorias. O quarto componente explicita a importância de aprender com a experiência através da análise e investigação de acidentes e incidentes anteriores. O quinto está associado à influência dos fatores organizacionais na ocorrência do erro humano7.
Como forma de se assegurar uma cultura adequada de segurança voltada a prevenção do erro, deve-se garantir a participação dos trabalhadores na criação e implementação dos programas e iniciativas gerenciais, a inexistência de atitudes e práticas gerenciais que busquem a identificação e a punição de “culpados” e a formalização explicita de que as decisões e ações de segurança devem estar em primeiro lugar. Além disso, tanto as lideranças como os trabalhadores devem receber feedbacks que indiquem e sinalizem que a participação em iniciativas de redução do erro humano tem um impacto real na forma como as unidades industriais são operadas, são projetadas e são mantidas.
Tópico de um Programa de Confiabilidade Humana
Os principais aspectos para elaboração de um programa de confiabilidade humana:
- Modelos das interferências na confiabilidade humana;
- Fatores modeladores de desempenho (agravantes e atenuantes);
- Mecanismos que envolvem a percepção, consciência e aceitação dos riscos;
- Verificação antecipada das falhas em projetos e empreendimentos;
- Verificação das falhas potenciais em procedimentos operacionais / manutenção;
- Identificação das falhas humanas, pontuais e sistêmicas, em incidentes e acidentes;
- Preparação para o trabalho: sistema de comunicação e estado de atenção;
- Diálogo Comportamental aplicado para evitar falhas primárias ou recorrentes.
Questionário – Uma Abordagem Positiva
O Desempenho Humano na Realização de Atividades Críticas
Propomos às lideranças em SSMA e Segurança de Processo das organizações a aplicação deste questionário para os integrantes, contratados e as lideranças de apoio. Este instrumento de pesquisa ajudará a entender qual o nível de maturidade da organização com relação aos aspectos de confiabilidade humana e a identificar as oportunidades de melhorias. É importante que após análise crítica dos resultados deste questionário, um plano de ação seja desenvolvido para materializar a busca pela excelência e alta performance da força de trabalho.
O padrão de respostas comumente utilizado nos questionários múltipla escolha são:
-
- Todos fazem sempre assim;
- Normalmente é assim;
- Uns fazem sempre assim outros raramente;
- Nem todos e nem sempre se faz assim;
- Raramente se faz assim
- Nunca é assim
Porém esse modelo é ineficiente para entender e diagnosticar o processo de amadurecimento cultural em Segurança de Processo. Por isso, propomos a adoção do padrão de resposta Dependente, Independente e Interdependente, conforme apresentado na figura 2, para auxiliar e simplificar o entendimento das mudanças de atitudes das pessoas e quais são as ações que deverão ser tomadas ao longo do tempo para uma conscientização proativa dos trabalhadores.
Figura 2. Padrão de respostas para entender e diagnosticar o amadurecimento da cultura em Segurança de Processo
- As lideranças acreditam que a segurança tem uma posição mais elevada (ou pelo menos igual) que outros objetivos de negócios dentro da organização?
- Os trabalhadores acreditam que a segurança tem uma posição mais elevada (ou pelo menos igual) que outros objetivos dentro da organização?
- Os quase/pequenos incidentes quando oriundos de desvio/erro humano são discutidos de forma aberta e construtiva entre líder e integrantes, com foco em evitar a recorrência?
- Os líderes e os próprios integrantes valorizam a mudança de hábito e as iniciativas de vanguarda e sucesso em SSMA, no qual um novo método ou forma de realizar foi utilizado por uma pessoa do grupo?
- Os trabalhadores são encorajados a discutir erros humanos potenciais ou reais que tenham potencial de acidente, com os seus supervisores?
- Os supervisores são treinados a identificar situações nas atividades ou nos procedimentos que possam influenciar na ocorrência do erro humano ou comportamentos inseguros?
- As situações de performance segura que evitam erro humano real ou potencial são identificadas de maneira rotineira ou são avaliadas somente depois de um acidente?
- Os integrantes são penalizados por paradas de produção “questionável” quando eles realmente acreditavam que existia uma emergência?
- Os sistemas de Permissão de Trabalho são utilizados de maneira proativa e eficaz para que todos apoiem iniciativas de SSMA e uma boa comunicação?
- Os contratados são incentivados a não realizar uma atividade, e se possível proporem sugestões, quando identificam que as condições técnicas, pessoais ou do ambiente no entorno não forem adequadas?
O estudo sistêmico dos fatores que influenciam a performance humana busca afastar a ideia tradicional que culpa e pune um erro humano. Existem técnicas e ferramentas que traduzem os conceitos acadêmicos em práticas que maximizam a confiabilidade humana. Esta abordagem prática objetiva introduzir nas organizações a importância e o entendimento junto aos técnicos e lideranças que o ser humano é um elo fundamental dentro da cadeia produtiva. Os aspectos relativos à confiabilidade humana devem ser avaliados e tratados, bem como a sua interação com os sistemas e processos, com a tecnologia e com o conhecimento, respeitando principalmente as limitações e os valores humanos. Por fim, é papel da liderança garantir o fortalecimento da cultura de segurança de processo.
“ A única coisa realmente importante que os líderes fazem é criar e gerenciar uma cultura” 8
REFERÊNCIAS
- NETO, Carvalho; DINIZ, Américo. A ocorrência de acidentes no trabalho e sua correlação com o erro e fatores humanos estudo de caso: Braskem–unidade de insumos básicos Bahia. 2006.
- Meister, D., Human Factors in Reliability, in W. G. Ireson (ed), Reliability Handbook, New York: McGraw-Hill, 1966
- ALVES, Jose Luiz Lopes et al. A técnica HAZOP, como ferramenta de aquisição de dados para avaliação da confiabilidade humana na indústria química. 1997.
- Fonte: Garrison, Large Property Damage Losses in the Hydrocarbon-Chemical Industries: A Thirty Year Review, 12th , Marsh & McLennan Protection Consultants, Chicago, IL, 1984
- Fonte: H. I. Joschek, Risk Assessment in the Chemical Industry, ANS/ENS Topical Meeting on Probabilistic Risk Assessment, American Nuclear Society, La Grange Park, IL, 1981.
- Fonte: Y. Uehara & H. Hasegawa, Analysis of Causes of Accidents at Factories dealing with Hazardous Materials, 5th International Symposium on Loss Prevention and Safety Promotion in the Process Industries, 1, Ch. 23, Societé de Chimie Industriel, 1986.
- AMERICAN INSTITUTE OF CHEMICAL ENGINEERS (AICHE). Center for Chemical Process Safety (CCPS). Guidelines for preventing human error in process safety. New York, 1994.
- Schein,E.H. Organizational Culture and Leadership, 3ed., São Francisco: Jossey-Baixo,2004.
Autores:
Osvaldo Andrade – Engenheiro Mecânico com mais de 30 anos de experiência e Consultor Sênior da RSE Consultoria
Américo Diniz Carvalho Neto – Diretor Executivo da RSE Consultoria, Fellow do CCPS, Consultor Internacional em Segurança de Processo e Mestre em Confiabilidade Humana.
Deyse Casais – Engenheira Química da RSE Consultoria